Quanta poesia há numa bebedeira?

Comparação entre Poesia e Bebedeira na Arte

A propósito da publicação pela Casa das Letras de Breve História da Bebedeira, de Mark Forsyth (com tradução de Francisco Agarez), gostaria de me dedicar a uma também breve comparação entre bêbados e escritores, uma vez que me parece existir uma forte correlação (bem como uma importante diferença) entre criação literária e invenção ébria.

O primeiro ponto de contacto é, evidentemente, o facto de muitos escritores e artistas acumularem funções, sendo uns bêbados de primeira. A lista é longa e uma enumeração pareceria um folclórico e mesquinho exercício de coscuvilhice, a que, apesar do meu grande apreço por folclore, coscuvilhice e mesquinhez, pouparei os leitores. Por si só, essa coincidência nada prova, pelo que importa aprofundar mais esta correlação.

No primeiro parágrafo do livro, Forsyth confessa “não saber realmente o que é a embriaguez”. Perante o evidente conflito entre esta confissão e a sua vontade de dedicar um livro ao tema, o escritor acrescenta: “se os escritores consentissem que um pormenor tão insignificante como a ignorância os impedisse de escrever, as livrarias estariam vazias”. Forsyth tem razão. Por bizarro que possa parecer, a atividade literária (tanto crítica como criativa) consiste precisamente numa investigação ignorante.

Em certo sentido, escrever um livro é uma atividade que consiste em persuadir os outros de que sabemos do que estamos a falar quando não é de todo esse o caso. Se a literatura for uma reprodução ficcional da vida, então um escritor teria necessariamente de ser alguém especialista em estar vivo, alguém que compreendesse a fundo o mistério da existência. Não sei se já tiveram a oportunidade de conhecer algum escritor, bom ou mau, mas estou em condições de garantir que não é isso que acontece.

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